O COLECIONADOR DE CALCINHAS

Acabo de ser acordado pelo alto volume da televisão na sala de estar.

O jornal anunciava uma fúnebre informação: aos 66 anos, o cantor Wando havia falecido por causa de um infarto.

Enquanto eu relutava para abrir os olhos e tentar assimilar a dimensão daquela notícia, a reportagem chegou a fim.

Completamente atônito pelo pouco espaço midiático destinado a um artista que encantou como poucos o coração de muitas mulheres, comecei a refletir acerca de um ditado popular que muitas vezes ouvi minha mãe pronunciar: “para morrer, basta estar vivo”.

Embora a frase pareça obvia de mais, geralmente ninguém leva em consideração um fato de veras instigante e pontual: “poucas pessoas vivem de fato a vida. O resto apenas passa distraído pelo mundo”.

Há muitas pessoas que, mesmo estando vivas no sentido biológico do termo, há muito tempo já estão mortas no sentido espiritual e emocional. De forma diametralmente oposta, felizmente existem os casos de pessoas que apesar de mortas, sem sombra de dúvidas estão incrivelmente vivas nas ideias que deixaram e nos sonhos que lutaram pra realizar.

Wando há havia sido esquecido pela grande mídia, e já se limitava a repetir constantemente os seus velhos sucessos, mas ainda assim belos. Entre estas pérolas sem prazo de validade, estavam os versos “você é luz/ é raio estrela e luar” que tanto embalaram vários amores, bem como, não deixaram de instigar uma poderosa tempestade de calcinhas no palco.

O fato é que Wando estava vivo e intenso, apesar de morto num primeiro momento pela mídia, e, num segundo momento, em sua matéria biológica. Mesmo esquecido (morto) pela (para) mídia, Wando ainda cantava e encantava seu público cativo. Fora dos grandes veículos de comunicação, ao contrário do que se poderia imaginar, ele pôde finalmente exercer com voracidade a poética da boemia, para embriagar-se exageradamente dos prazeres discretos da vida noturna.

- É melhor viver dez anos a mil, do que mil anos a dez – comentou Lobão em sua autobiografia.

Se isso é bem verdade, então Wando entregou-se à beleza da existência e, consequentemente, viveu deliciosamente “dez anos a mil”.

Sempre quis sem como um adepto desta corajosa “filosofia de vida”, entretanto, agora, observando o vigor da história que Wando escreveu na página do mundo, confesso que acredito ter perdido grande parte da vida no ócio e na preguiça.

Acho que, diferente de Wando, viverei mil anos sem o prazer de ter uma grande e variada coleção de calcinhas. 



8 de fevereiro de 2012

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